Depois de adaptar ‘Guerra e Paz’, americano Dave Malloy trabalha em versão musical de ‘Moby Dick’

Dave Malloy tinha 20 anos quando leu os dois longos tomos de “Guerra e Paz”, de Tolstói. Estava no início da carreira de músico e viajava num cruzeiro tocando piano. “Era um período em que estava lendo muito. Afinal, estava num barco, tinha muito tempo”, lembra o americano, hoje aos 42.

Ainda naquela época, ateve-se a um trecho de 70 páginas do clássico russo. “A narrativa daquela parte é tão bem costurada, tão linda. Terminei esse trecho em prantos. Fechei o livro e pensei: ‘Isso é um musical perfeito’.”

Levou quase 20 anos, mas o pressentimento de Malloy deu resultados, alçando seu nome a figura de destaque no mercado de musicais americano. “Natasha Pierre e o Grande Cometa de 1812”, sua versão da obra de Tolstói, foi chamada pelo New York Times de o melhor e mais inventivo musical da Broadway desde o fenômeno “Hamilton”. Ainda liderou as indicações ao prêmio Tony 2017, com 12 categorias.

O espetáculo, que ganhou montagem brasileira, em cartaz em São Paulo, parte do tal trecho de 70 páginas, extraído do segundo volume do romance. Trata da chegada a Moscou de Natasha Rostova, jovem ingênua que idealiza o noivo, um soldado que luta na guerra. Ela é seduzida pelo interesseiro Anatol Bolkonski e tem sua reputação ameaçada. Mas logo é ajudada por Pierre Bezukhov, homem sem grande manejo social, mas que se apaixona por ela.

Malloy cria seu espetáculo não num teatro tradicional, mas numa espécie de cabaré, com um palco que serpenteia as mesas onde a plateia se senta. Tinha a ideia de aproximar as cenas do espectador e também de proporcionar várias perspectivas para a mesma cena —assim como Tolstói faz em sua obra, costurando olhares de diversos personagens.

Em Nova York, o espetáculo estreou pequeno, em 2012, encenado numa tenda. Foi migrando até chegar à Broadway, no Imperial Theatre. “Começamos com 89 lugares e passamos para 200, 600 e depois 1.200”, conta o diretor, no Brasil para assistir à montagem nacional da peça. “Mas sempre quisemos manter essa intimidade entre os atores e a plateia, então fomos aumentando o elenco, que começou em dez pessoas [e depois triplicou].”

Também joga, em seu “sung-through” —musical cantado do início ao fim—, com diversos gêneros musicais, dando a cada personagem um ritmo diferente. Pierre tem um indie rock meio deprê; Anatol vai para uma batida eletrônica; já Natasha trafega num estilo Broadway tradicional. “É o estilo em que eu escuto música. Ponho meu iPod no shuffle e vou escutando todo o tipo de música de uma só vez.”

Para tirar o peso do romance, Malloy já brinca nas primeiras cenas com a fama de difícil da obra. No prólogo, os atores pedem que a plateia leia o programa se quiser acompanhar a história e avisa: “É um romance complicado, muito nome para decorar”.

Como ele mesmo diz, o compositor tem um prazer perverso em trabalhar com textos com reputação de entediantes. Agora, prepara uma versão musical de “Moby Dick”, de Herman Melville, que deve estrear em Nova York no segundo semestre do ano que vem.

“O espetáculo está escrito e fizemos alguns workshops. Diferentemente de ‘Guerra e Paz’, estamos tentando adaptar todo o livro, com todos os fatos sobre a baleia.” E o palco vai ser diferente? “Não sei ainda, mas acho que vai ser algum tipo de barco.”

Também dizem que ele pensa em levar ao palco uma adaptação musical de “Ulisses”, de James Joyce. “Ah, isso é mais uma brincadeira… quer dizer, talvez, quem saiba eu faço. Eu amo esse livro.”