Festival Cena Contemporânea, em Brasília, terá Wagner feminista e Shakespeare de marionetes
A programação do festival Cena Contemporânea, que vai de 23/8 a 4/9 em Brasília, terá o grupo chileno Viajeinmóvil, do diretor Jaime Lorca, com sua versão em marionetes de “Otelo”, que enfatiza o feminicídio da peça de Shakespeare. Já o argentino Pablo Rotemberg mostra “La Wagner”, que explora os preconceitos contra mulheres a partir da música de Richard Wagner.
De brasileiros, “A Floresta que Anda”, de Christiane Jatahy, “O Filho”, do Teatro da Vertigem, “Caranguejo Overdrive”, da Aquela Cia, e “Hysterica Passio”, do Teatro Kaus.
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A bordo
O barco utilizado em “Inútil a Chuva”, da Armazém Cia, foi encontrado no clube de regatas do Botafogo, no Rio. “A gente queria aqueles de madeira, mais antigos”, explica o diretor Paulo Moraes.
Do clube veio o Lynce, como é chamado o barco, encostado havia anos, mas que tinha sido construído por um dos pioneiros do Botafogo, “‘seo’ Balthazar”, conta o encenador.
“Era um barco para dois remadores e precisou de muitos ajustes pra abrigar os quatro atores. Foi desmontado, sua parte central foi reconstruída e recebeu uma estrutura metálica que faz o suporte para que o barco ‘flutue’ no ar.”
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A gota que falta A montagem do musical “Gota d’Água” com Laila Garin (“Elis, a Musical”) e Alejandro Claveaux estreia em setembro no Teatro Faap. A adaptação da peça de Chico Buarque e Paulo Pontes tem direção de Rafael Gomes (do recente “Um Bonde Chamado Desejo”).
Estranhos no paraíso O projeto do espetáculo “Estranhos.com” foi autorizado a captar R$ 1,14 milhão via Lei Rouanet. O texto da americana Laura Eason (“Sex with Strangers” no original) tem tradução de Sergio Flaksman, direção de Emílio de Mello e Deborah Evelyn e Felipe Abib no elenco. A previsão de estreia é no segundo semestre.
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Pequeno ato
LUTADOR – De uns tempos para cá, as pessoas andam um pouco mais generosas comigo. Elas perdoam alguns lapsos de memória, alguns brancos, algumas confusões que eu faço, uns nomes que eu troco ou apago. Elas perdoam meu olhar que se fixa em um ponto do quarto onde não há nada para ver, e parecem perdoar as lágrimas que escapam diante deste vazio. Elas compreendem que por 17 anos eu levei muitas pancadas na cabeça e isso deve ter tirado algum parafuso do lugar, talvez tenha desarrumado toda a caixa de ferramentas. Algumas pessoas querem me levar para passear, e eu raramente vou, outras querem me visitar em casa e não escondem o quanto ficam desapontadas ao descobrir que eu vivo num apartamento de quarto e sala e que preciso de um cuidador 24 horas por dia, porque as coisas caem das minhas mãos, as coisas caem da minha boca e quase todo dia eu caio de mim mesmo. Depois elas novamente voltam a demonstrar ternura quando ficam sabendo que o cuidador é meu namorado e, ao mesmo tempo, meu filho —um garoto que eu adotei em um centro para menores infratores que hoje se transformou num homem grande e gordo, mas que continua a me olhar como se eu ainda fosse campeão de alguma coisa.
O que vocês gostariam que eu tivesse feito além de me esconder? Eram os anos 60, era o boxe, e era eu, um garoto negro. E, naqueles dias, não levava muito tempo para um garoto negro, um garoto negro e gay, descobrir que as maiores batalhas da sua vida teriam de ser travadas longe dos ringues. Eu tinha dois amigos, tão negros e tão gays como eu, e quando nós chegávamos nas boates, os porteiros diziam: chegaram Os Três Mosqueteiros. Um dia, um deles me disse que a gente deveria sentir orgulho, porque naqueles anos ser gay era motivo de cadeia, e a gente sempre conseguiu passar longe do xadrez.
Eu sempre gostei de homens e mulheres, mas não gostava das palavras homossexual, viado e bicha. Eu não tenho certeza do que eu sou, porque eu amei homens e mulheres do mesmo jeito e não queria ser lembrado só por isso. E nem por ter batido num homem até que ele morresse.
Se eu pudesse escolher, eu gostaria de ser lembrado como um cara que foi cinco vezes campeão do mundo. Eu acho que está na hora do meu remédio.
GONGO